À procura de Cristo na oração, programa de oração – dicas preciosas para rezar sempre e bem – parte 1


O presente artigo é uma adaptação do terceiro capítulo da obra clássica "Amor Sublime" ('This Tremendous Lover'), de Dom Eugene Boylan, OCR (1904 - 1964), intitulada "A procura de Cristo na oração". Boylan foi um monge trapista de origem irlandesa e destacado autor dos temas espirituais. Iniciou sua obra na década de 1940, quando publicou este "Amor Sublime" e "Dificuldades na Oração Mental", que foram traduzidos em diversas línguas. Em 1962 ele foi eleito o quarto Abade do Monte St. Joseph Abbey em Roscrea, Irlanda. Dois anos depois, veio a falecer num acidente de automóvel. 

A direção espiritual que Eugene Boylan nos transmite, em uma obra escrita há mais de seis décadas, é, por suas palavras e maneiras, impressionantemente atual e maravilhosamente útil a todo cristão católico honestamente empenhado em progredir na vida espiritual. Rezamos a Deus que por aqui também sejam úteis na edificação e salvação das almas. Por ser longo, publicaremos o capítulo em duas partes; segue a primeira:


O NOSSO EXAME da vida sobrenatural, que é conferida a todas as almas no Batismo, chegou ao ponto de termos que considerar mais minuciosamente o programa que deve ser seguido por quem deseja viver essa vida. Já vimos que no Batismo se estabelece uma união íntima entre Deus e a alma da pessoa batizada. Deus concede ao neófito – ao recém-convertido, recém-batizado ou o batizado que andou afastado da Igreja e agora procura retomar uma vida mais espiritual e santificada –, uma participação na sua própria Natureza; derrama na sua alma as virtudes infusas da fé, esperança e caridade, e torna-o membro do Corpo Místico de Cristo. O dever fundamental de todo o cristão é amar a Deus com todo o seu coração, e ao seu próximo por amor de Deus. O plano geral do programa que esse cristão deve seguir é tomar uma atitude de humildade e seguir a prática da conformidade com a Vontade de Deus na fé, na esperança e na caridade.

De fato, esta última sentença resume quase tudo, mas deve ser bem compreendida em si mesma, e também é preciso compreender bem as suas implicações. Se é preciso entender como é que se pode cumprir esse programa de oração, surgem de imediato as perguntas: a quem se destina? A quem se aplicam os seus princípios? A resposta é que se aplica a toda alma batizada, e nossa intenção ao formular estes princípios é aplicá-los a todos, sejam leigos (cujo estado já foi definido quer pelas circunstâncias, quer pela sua própria escolha, tenham ou não contraído o Matrimônio) ou sacerdotes, seculares ou religiosos. Não excluímos nenhum batizado disposto a procurar evitar o pecado mortal. Pouco importa a idade ou o sexo, nem suas condições gerais, sua educação e/ou sua história. Não importa quais pecados tenha cometido no passado ou quais oportunidades de progredir na vida espiritual não tenha aproveitado, nem quais graças tenha recusado; desde que se trate de pessoa batizada, que esteja disposta a procurar evitar os pecados mortais, toda a doutrina que explicaremos a partir deste ponto pode ser aplicada ao seu caso.

A razão dessa certeza vamos encontrá-la no Nome dado ao Filho de Deus, em sua Encarnação: “o Nome de Jesus, porque Ele salvará o Seu povo dos seus pecados”(Mt 1,21). Lembremo-nos que a maior censura que os falsos fariseus se lembraram de lançar contra Nosso Senhor foi exatamente a de apelar para uma sua característica já bem conhecida: “Ele recebe os pecadores” (Lc 15,2).

Sendo a vida espiritual uma muito especial sociedade com Jesus, e também uma tendência de todo o se do cristão para Jesus, ninguém deve ter receio de ser repelido por Ele, pois não há ninguém a quem Ele não receba. Portanto, quer o leitor seja um daqueles que buscaram sempre a Presença divina, desde a juventude, e queira viver melhor, ou seja um dos que reconhecem que a sua vida tem sido de mediocridade e tibieza, ou ainda um daqueles que mal se ergueram do atoleiro do pecado mortal, nada disso importa; estas orientações são também para eles e para eles estão abertas todas as possibilidades aqui tratadas. 

Apenas pedimos ao leitor que não se glorie de qualquer bem que já praticou (ou dos seus êxitos em evitar o mal), que se arrependa do mal que praticou e do bem que deixou de fazer e que se prepare para fazer melhor no futuro, confiando no Auxílio e Sociedade de Jesus, seu Salvador.

O programa a seguir, desde o princípio, é entrar em contato, o mais depressa possível e o mais íntimo possível, com Nosso Senhor. O Cristo é, Ele mesmo, a própria Revelação de Deus; é o modelo de Deus para os homens; é o Mestre vindo de Deus para os homens; é o Sócio e o Salvador dos homens; é, de fato, o Caminho, a Verdade e a Vida.

No entanto – e entender isto é muito importante –, o seu apelo a cada um dos homens não é o mesmo; depende do temperamento e de certas características particulares e das capacidades (físicas, mentais e espirituais) dadas de cada um. Por exemplo, aqueles que são dotados de natureza afetiva comovem-se mais com a Bondade e o Amor do Cristo, Deus feito homem por amor a cada um de nós; já os mais austeros tendem mais para ver nEle um Mestre, um Guia e um Rei. Mas o apelo divino é geral, é para todos os homens e mulheres, jovens e velhos, ricos e pobres, solteiros e casados, sacerdotes, religiosos e leitos, consagrados ou não, e não há coração ao qual Ele não possa satisfazer.

São quatro os meios de entrar em com Ele:

A oração, os Sacramentos, a leitura espiritual e a conformidade com a Vontade de Deus. Este último inclui os outros todos, mas, num primeiro momento, apenas queremos nos referir às obrigações impostas pelos Mandamentos e deveres do próprio estado de cada um.
Estes quatro meios de procurar Cristo não são independentes. Com efeito, no desenvolvimento da prática e do conhecimento da vida espiritual, devemos progredir em círculos, se assim nos podemos exprimir: primeiro, um círculo pequeno que se alarga e agrega a si novas ideias ou novas práticas, até atingirmos a plenitude. Progresso numa única direção pode sair coxo e em geral falha, porque as diferentes partes do verdadeiro progresso dependem umas das outras. Precisamos de conhecimentos para rezar a Deus, precisamos de graça para adquirir conhecimentos e precisamos da oração para conseguir a graça. Não podemos orar com sinceridade se não formos sinceros no cumprimento da Vontade de Deus e não podemos cumprir a Vontade de Deus se não lhe pedirmos sua Graça.

Há outro ponto ainda a notar. Falamos da procura de Cristo, mas já dissemos que a vida cristã se inicia na união íntima com Cristo. Não haverá contradição aqui?

Talvez pareça que existe, pelas palavras, mas a realidade não é tão contraditória como parece. Vejamos: a Presença de Nosso Senhor fora de nós não interfere com a sua Presença dentro de nós. E a Presença de Nosso Senhor na nossa alma não interfere com o seu crescimento nela mesma, nem com a sua vinda até nós, para entrar em união mais íntima conosco. De fato, é-nos proibido recebê-lo na Santa Comunhão se Ele não estiver já nas nossas almas com a sua Graça. Além disso, estamos empregando palavras humanas para explicar coisas divinas, e as palavras humanas são inadequadas para tal. Por vezes, precisamos empregar figuras variadas de linguagem para dar indicação do que queremos significar.

Uma forma de encarar o problema é a adotada por Santa Teresa no seu livro "Castelo Interior", em que ela compara a alma a um castelo. Quando um homem está em pecado, está fora do castelo. Deus está muitas vezes na nossa alma, e nós estamos fora de nós: não O podemos encontrar em nós e temos de O procurar em outra parte. Acontece muitas vezes que não podemos entrar em nós próprios; fechamo-nos a nós mesmos e não podemos encontrar a chave.

É uma analogia profundíssima. Apesar da confusão aparente das palavras, porém, o católico comum é capaz de compreender plenamente estas ideias e sabe que correspondem à realidade. Sim, mesmo depois de ter encontrado Deus nas profundidades da sua alma, pode ainda rezar a Deus no Céu, sem qualquer sentido de inconsistência. Não devemos, portanto, supor que estamos a negar o que já afirmamos sobre a morada de Deus em nós ao falarmos agora da partida à procura de Deus, porque, quer consideremos Deus dentro de nós, quer O consideremos fora de nós, temos sempre de partir de nós próprios para O encontrarmos. E mesmo quando nos encontramos já unidos a Ele, veremos que essa união pode ser aumentada ou aperfeiçoada, compartilhando com Ele daqueles mesmos atos com os quais O procuramos.

O primeiro meio de procurar a Deus que vamos considerar é a oração. A oração, diz-se, é “uma elevação da alma para Deus”, e também se define como “uma conversação com Deus” ou uma “procura amorosa de Deus pela alma”. Em um sentido específico é também o “pedido das graças convenientes a Deus”.

Na prática, começamos a orar atraindo Deus ao nosso pensamento, ou, falando com mais propriedade, dirigindo o nosso pensamento a Deus. Ele está em toda a parte; pondo, portanto, de lado todos os outros pensamentos e considerando-nos na sua Presença, podemos sempre rezar. Torna-se, porém, necessário um esforço para nos libertarmos de todos os outros pensamentos, e precisamos formar ideia clara de Deus para dominá-los ou para ocupar a nossa imaginação. Neste sentido podemos citar a ligação que se verifica entre a oração e a leitura, porque a leitura desempenha um papel preponderante em formar uma ideia de Deus. "Como, pois, invocarão Aquele em quem não creram? e como crerão Naquele de quem não ouviram falar? E como ouvirão, se não há quem pregue?" (Rm 10,14). Pois bem, os Apóstolos nos falaram dEle pela pregação, como o continuam fazendo ainda hoje os seus sucessores, e pelos seus escritos; indiretamente, também pelos escritos dos que se inspiraram neles e no Evangelho do mesmo Senhor, proclamando uma só Fé e um só Batismo (Ef 4,5). Assim é que por meio da leitura espiritual formamos ideia de Deus, como também pelo ouvir a pregação e os bons testemunhos.
Podemos escolher o caminho que nos parecer mais conveniente para representar Deus a nós próprios. As necessidades individuais variam tanto que não se podem assentar em qualquer norma definida, e por não compreender isto muitas almas sofrem e se perdem.

Para alguns, basta-lhes a noção de Deus; outros contemplam a humanidade de Nosso Senhor em alguns dos seus Mistérios, outros ainda concentram a sua atenção no Tabernáculo ou no Crucifixo. A melhor regra, porém, nesta como em outras questões semelhantes sobre a ação, é cada um rezar pela forma que entender mais conveniente. Sim, é preciso que o católico dito "tradicionalista" tenha a coragem de aceitar que não há, nem nunca haverá, de fato, um conjunto de regras fixas para todos os momentos ou para toda e qualquer situação que vai surgindo na busca espiritual.

Como já foi dito, o que funciona para um não necessariamente funcionará para o outro. Há, por exemplo, católicos que se realizam rezando o santo Terço diariamente. Há outros tantos que simplesmente não conseguem fazê-lo, e se condenam e sofrem por isso, sentindo-se culpados, infiéis ou incapazes... Mas não deveriam! A verdade é que nenhum católico é obrigado a rezar o Terço diariamente. Por mais piedosa, santa e frutuosa que seja esta prática, aquele que encontra sérias dificuldades em cumpri-la (dificuldades que não conseguem vencer mesmo que muito persistam) acabará por arrefecer e talvez desanimar completamente na vida de oração, caindo mesmo – num desfecho radical –, em risco de perder a própria alma, se não compreender e aceitar que deve buscar outro meio (que lhe seja mais natural) de cultivar a oração e a Comunhão com Deus – e com os Santos, os santos Anjos e a santa Mãe da Igreja.

Há alguns princípios que nos podem guiar. A oração é, em certo aspecto, uma coisa muito simples e, num outro aspecto, muito complexa. Visa um fim múltiplo, e se tivermos em mente os seus diferentes objetivos, podemos concernir qual a melhor forma de rezar.

O principal fim da oração é cumprir o primeiro dever de todo o homem imposto pelo sagrado Mandamento: prestar a Deus o culto devido. Esse culto inclui a adoração, que é o reconhecimento do Domínio supremo de Deus sobre nós e nossa dependência absoluta dEle, inclui a ação de graças, porque devemos tudo à bondade de Deus, e compreende também o reconhecimento da nossa condição de pecadores com um arrependimento sincero pelas nossas faltas contra Deus e a resolução de as expiar. Todavia não há necessidade, é claro, de traduzir estes sentimentos em palavras todas as vezes que oramos, mas convém que todos os dias e por qualquer forma declaremos esses sentimentos.

Não há para isso melhor meio do que aquele que nos indicou Nosso Senhor: rezar o Pai Nosso. Devemos, portanto, tomar todos os dias uma atitude formal de oração, de preferência de joelhos, e prestar assim a devida homenagem, mesmo que seja muito breve, a Deus.

Há outro fim que devemos ter em vista na oração, que é obter certas graças que nos são necessárias.

A menor ação da nossa vida espiritual depende de Deus para ser iniciada e praticada; a própria conservação da nossa vida depende da divina Providência, e o êxito final dos nossos esforços exige a graça especial da perseverança final. Algumas destas graças são-nos concedidas por Deus, sem as pedirmos, porque Nosso Senhor Jesus Cristo é nosso infalível Mediador, e porque temos no Céu uma Mãe que se empenha em nos alcançar todo o bem. Muitas vezes, as principais graças são-nos concedidas sem que as peçamos, como é o caso do próprio dom da vida: quem de nós pediu para ser e nascer? Há, porém, outras graças bem necessárias que Ele não nos concederá se não as pedirmos. É certo que Ele conhece bem as nossas necessidades, mas não é para O informarmos que Ele deseja que peçamos, e sim para nos informarmos a nós próprios da necessidade que temos dEle, de modo que vejamos nEle a Fonte de todo o bem e para que, ensinando-nos a ter confiança nEle, não nos convençamos de que teremos tudo o que quisermos sem o pedirmos, o que poderia nos tornar arrogantes e soberbos, iludidos numa falsa sensação de absoluta autossuficiência e independência. Esta é uma das razões por que devemos dedicar todos os dias um período de tempo certo à oração. Ambas estas necessidades se podem satisfazer escolhendo a forma de oração que mais apelo exerça em nós, fazendo uso dela diariamente. Mais importante do que a duração, a beleza ou a forma é a persistência e a fidelidade.

O Pai-Nosso, como é óbvio, por ser a oração magna ensinada diretamente por nosso Senhor e Salvador, deve ser constante em nossas orações, e, como não podemos desprezar o auxílio precioso e incomparável de Nossa Senhora, a Ave-Maria também deve ter sempre o seu lugar em nossas invocações. Se quisermos fazer uso de um bom livro de orações, devemos empregar os meios que melhor nos pareçam para o fim que temos em vista. Importa que a lista de orações não seja demasiado longa. Vale mais rezar um Pai-Nosso com sinceridade do que desfiar as contas do Rosário inteiro sem pensar em Deus.

Por que – ao contrário do que afirmam certos diretores espirituais –, dizemos que as orações que decidirmos rezar todos os dias não devem ser muito longas? Para que se não se convertam numa tarefa pesada. De outra forma, é muito provável que acabemos por as recitar mal e que, mais cedo ou mais tarde, acabemos por não dizer nenhuma. Devemos reconhecer que somos humanos e falhos, e também é preciso saber diferenciar a condição dos religiosos e a dos leigos. Os primeiros têm suas rotinas bem definidas e próprias, conforme a regra de sua ordem ou congregação religiosa. Os segundos vivem uma situação completamente diferente. Também é diferente a situação de uma pessoa jovem, a de um adulto maduro e a de um idoso. Estes últimos, por exemplo, em geral têm mais tempo livre, mais paciência e mais conhecimento de si mesmos. Muitos leigos jovens que se dispõem e tentam se obrigar a rezar por longas horas por dia acabam desanimando e abandonando a vida espiritual, sentindo-se frustrados consigo mesmos e, muitas vezes, consciente ou inconscientemente frustrados com Deus. que esperavam que iria lhes dar toda a força para cumprir um itinerário que não é o ideal para eles.

A oração é coisa tão essencial à nossa vida espiritual que a não devemos associar à ideia de um incômodo
. Além disso, não é por muito falarmos que somos ouvidos, mas, isto sim, se forem boas as disposições do nosso coração. Mas não iria, por acaso, esta recomendação contra a admoestação do santo Apóstolo, que diz: "Orem continuamente"? A esse respeito, muitos grandes santos já chegaram à conclusão de que a mais perfeita solução é fazer de toda a vida uma grande e contínua oração. O que trabalha, trabalhe rezando, e não necessariamente uma oração vocal (o que seria inviável) ou recitando fórmulas em sua mente. A grande oração é praticar a fé todos os momentos e oferecer cada minuto de nossos dias a Deus por meio dos nossos atos, pensamentos e escolhas. Quando deixamos de fazer algum mal, perdoamos, assumimos uma postura humilde ou aconselhamos bem um colega de trabalho ou estudo, por exemplo, isto é uma oração que elevamos a Deus e certamente o agrada mais do que muitos sacrifícios, jejuns e penitências (conf.  Jr 7,22; Os 6,6; Mt 9,13).

A única condição que Nosso Senhor impôs para cumprir as promessas que fez a respeito da oração foi que devíamos rezar em Seu Nome. Por palavras, devemos orar em sociedade com Ele e para benefício do Seu Corpo Místico. Unidos a Ele, temos à nossa disposição os seus Merecimentos infinitos, para apresentar diante de Deus; unidos a Ele, podemos dizer a Deus: "Este é o vosso Filho bem amado, no qual pusestes as vossas complacências: ouvi-O".

As disposições para a oração são as disposições para uma sã sociedade com Cristo: fé, esperança, caridade, humildade e submissão à Vontade de Deus. É certo que mesmo o pecador pode e deve rezar: mesmo esse deve orar também por intermédio de Jesus Cristo, confiando nos seus Merecimentos infinitos, para que a sua oração seja ouvida diante do Trono de Deus, mas, se não tem essas disposições de fato, deve tê-las pelo menos em desejo.

Continua...

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Fonte:
BOYLAN, Eugene. This Tremendous Lover, Cork City: The Mercier Press, 1955, capítulo 3.

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